Julgando que vivem numa democracia e num Estado de Direito, activistas angolanos convocaram para sexta-feira, em Luanda e Benguela, manifestações contra a condução do registo eleitoral pelo ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, que concorre a vice-Presidente da República nas eleições gerais, pedindo a sua demissão.
As próximas eleições em Angola estão previstas para Agosto e o registo eleitoral, que envolve prova de vida dos eleitores que votaram em 2012 e o registo de novos eleitores, que no total já passou a marca dos oito milhões, decorre até final de Março, num processo liderado politica e empiricamente pelo ministro Bornito de Sousa.
“Exigimos a demissão imediata do senhor Bornito de Sousa (…) Tendo em conta o nosso compromisso com a transparência do processo eleitoral, como uma das formas é evitar a fraude eleitoral, sairemos às ruas em protesto”, lê-se na carta que os activistas organizadores do protesto enviaram ao Governo Provincial de Luanda, informando da manifestação.
A carta, sobre a qual é desconhecida qualquer resposta, foi assinada por quatro activistas angolano, entre os quais Hitler Samussuku e Arante Kivuvu, que integraram o grupo de 17 jovens condenados em 2016, pelo tribunal de Luanda e de acordo com as “ordens superiores” previamente recebidas, a penas de prisão e mais tarde amnistiados.
Em causa o facto de, simultaneamente, Bornito de Sousa ter sido anunciado este mês como número dois da lista candidata do MPLA às eleições gerais, concorrendo assim ao cargo de vice-Presidente. A lista do partido no poder em Angola desde 1975 é liderada pelo general João Lourenço, actual vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa Nacional, que dessa forma concorre a Presidente da República.
O início da manifestação está previsto para as 15 horas de sexta-feira, 24 de Fevereiro, com concentração no Largo 1.º de Maio, no centro de Luanda, e uma “marcha pacífica” até ao Ministério da Administração do Território.
Também o Movimento Revolucionário de Benguela agendou para o mesmo dia, mas às 14 horas, uma manifestação “pacífica” idêntica, na cidade capital daquela província.
“Comprometidos com a transparência do processo eleitoral, sairemos às ruas com o propósito de exigir a demissão imediata do senhor Bornito de Sousa do cargo de ministro da Administração do Território”, lê-se na carta informando o Governo Provincial de Benguela da realização do protesto, o qual não terá sido autorizado por aquele órgão.
Os partidos da oposição em Angola também já protestaram contra a condução do processo de registo eleitoral por parte do Governo, afirmando que a competência do mesmo seria da Comissão Nacional Eleitoral, mas o Tribunal Constitucional deu razão no final de 2016 aos argumentos do Executivo.
A Constituição angolana aprovada em 2010 prevê a realização de eleições gerais a cada cinco anos, elegendo 130 deputados pelo círculo nacional e mais cinco deputados pelos círculos eleitorais de cada uma das 18 províncias do país (total de 90).
O cabeça-de-lista pelo círculo nacional do partido ou coligação de partidos mais votados é automaticamente eleito Presidente da República e chefe do executivo, conforme define a Constituição, moldes em que já decorreram as eleições de 2012. O número dois da lista assume o cargo de vice-Presidente da República.
Bornito de Sousa rejeita qualquer incompatibilidade legal com a sua indicação pelo MPLA, para a vice-Presidência da República. O ministro sabe, mas finde comodamente não saber, que não se trata da lei (que o regime só usa quando dá jeito), mas de moral, de ética, de seriedade cívica e política.
“Não há nenhuma incompatibilidade legal ou Constitucional para esta situação, e eu diria, se fossemos então no rigor de colocar suspeições para uma situação desta, no limite então os senhores deputados, por exemplo, teriam de se demitir agora, porque estivemos a ver legislação eleitoral”, ironizou.
Bornito de Sousa teima, julgando que somos todos matumbos, que é a mesma coisa legislar ou conduzir o processo eleitoral. Para ele, nesta circunstância, tudo é legal. Se não é, faz-se com que seja. Mas não é assim. Já nos basta que o regime ponha corruptos a combater a corrupção.
O governante falava à imprensa, no passado dia 6, no final de um encontro com os partidos políticos, para o balanço das actividades realizadas na segunda fase do processo de registo eleitoral, no qual foi levantada a questão de ser ministro e segundo nome da lista do MPLA às eleições gerais previstas para Agosto próximo.
Bornito de Sousa precisou que não existe nenhuma interferência sua no processo de actualização do registo eleitoral, cuja segunda fase e última fase decorre até ao dia 31 de Março. Quem quiser que acredite.
“O processo é suficientemente transparente e não há intervenção humana, o operador está lá no sítio em que estiver, faz o registo e os dados entram directamente, o ministro da Administração do Território não tem nenhuma interferência neste processo, portanto, o processo é suficientemente transparente e devemos estar claros sobre isso, não há dúvidas sobre isso”, disse.
Recordemos, por exemplo, que ministro Bornito de Sousa emitiu a 8 de Setembro do ano passado a Circular n.º 3210.00.01, que proíbe os brigadistas de fornecer dados do Registo Eleitoral aos fiscais dos partidos políticos.
Assim sendo, Bornito de Sousa viola o artigo 60.º da Lei do Registo Eleitoral, que confere aos fiscais o direito de “obter informações sobre os actos de registo presencial e sobre o seu progresso”. Neste caso, entenda-se, a lei nada conta.
A acusação foi feita no dia 26 de Outubro pelo presidente da UNITA, Isaías Samakuva, que realizou um balanço, que caracterizou como “altamente negativo”, sobre os então 60 dias do processo de Registo Eleitoral.
À Comissão Nacional Eleitoral (CNE) não foi atribuída recursos para fiscalização do processo do Registo Eleitoral, que está a ser realizado pelo Executivo através do seu ministério da Administração do Território.
A afirmação também foi feita pelo presidente da UNITA, que caracterizou a CNE, em comparação com os fiscais dos partidos políticos, como a entidade supervisora que “pode ter poderes de fiscalização mais amplos sobre o processo todo de registo”.
“Mas sabendo disso, o Executivo não atribuiu recursos para a CNE fazer o seu trabalho. Ao invés de dizer isso aos cidadãos, ouvimos o Senhor Presidente da CNE (André da Silva Neto) vir a público criticar os partidos políticos por não estarem presentes nos postos de recolha de dados, esquecendo-se que a fiscalização pelos partidos políticos não é uma obrigação, é uma faculdade. Esqueceu-se ainda o senhor Presidente da CNE que a entidade supervisionada pela CNE é o Executivo, que é a entidade registadora, e não os partidos políticos”, disse Samakuva.
O líder da UNITA exigiu o cessar de actos que chamou de “crimes eleitorais”, acusando que são “concebidos, ordenados ou praticados com dolo por titulares de cargos públicos e dirigentes políticos, designadamente o Titular do Poder Executivo, o Ministro da Administração do Território e dirigentes locais do Estado e do Partido MPLA”.
“Os crimes, todos eles documentados, estão previstos e são puníveis nos termos do artigo 39.º da Lei do Registo Eleitoral Oficioso (Lei n,º 8/15, de 15 de Junho). Tratam-se dos crimes de obstrução à actualização do registo dos cidadãos, previsto na alínea c), violação dos deveres relativos ao registo, previsto na alínea i), recolha coerciva de cartões de eleitor, previsto na alínea h) e o crime acesso ilegítimo, previsto na alínea l). Vamos começar com este último, acesso ilegítimo”, disse.
Folha 8 com Lusa